Marina Barros Zacharias
Bacharela em Agroecologia (UFSCar) e doutoranda em Fitotecnia – ESALQ/USP
marinazacharias@terra.com.br
Alasse Oliveira da Silva
Mestrando em Fitotecnia – ESALQ/USP
alasse.oliveira77@usp.br
Abimael dos Santos Carmo Filho
Engenheiro agrônomo e doutorando em Fitotecnia – ESALQ/USP
abmaelfilho@hotmail.com
O mercado de bioinsumos está em crescimento vigoroso no Brasil e pode compreender diversos produtos, os quais podem ser compostos por agentes biológicos de controle (insetos, ácaros, nematoides), agentes microbiológicos de controle (bactérias, fungos, vírus, protozoários), semioquímicos (feromônios, aleloquímicos), produtos bioquímicos (enzimas, hormônios, reguladores de crescimento) e fitoterápicos.
Além disso, podem ser representados por produtos para fertilidade do solo e nutrição vegetal, como bioestimulantes, inoculantes, biofertilizantes, condicionadores de solo e promotores de crescimento.
Importância econômica
No Brasil, o conceito bioinsumos tornou-se oficial em 2020 com o Programa Nacional de Bioinsumos (PNB) (Decreto nº 10.375, de 26 de maio de 2020), com objetivo de regularização de produtos de origem biológica, ampliar o acesso e a oferta e incentivar a correta adoção dos produtos.
O PNB é derivado da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo) (Decreto nº 7.794, de 20 de agosto de 2012) e é coordenado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), já havendo registro de mais de 300 produtos.
O mercado de bioinsumos é amplo e movimenta cerca de R$ 675 milhões. Segundo a CropLife Brasil, o mercado de biodefensivos no Brasil cresce em ritmo acima da média estimada internacionalmente.
O Brasil apresenta crescimento de 15% na comercialização de produtos biológicos em comparação a 2018, e no mundo esse crescimento está em 11% na última década. De acordo com a CropLife Brasil, são 50 milhões de hectares utilizando ampla variedade de produtos biológicos para o desenvolvimento das plantas e no controle de pragas e doenças.
A tendência é um aumento cada vez mais significativo no mercado de insumos biológicos nos próximos anos. As indústrias nacionais estão em ritmo acelerado de crescimento, se destacando internacionalmente e colocando o Brasil como referência no setor de produtos biológicos.
Dentre os bioinsumos, o que vem sendo mais divulgado é o mercado de controle biológico, que cresce 40% ao ano no Brasil. A indústria de óleos essenciais no Brasil também vem crescendo e o País está entre os quatro maiores produtores.
O Brasil é o principal produtor mundial de laranja e maior exportador do suco de laranja, por isso o potencial de aproveitamento comercial dos subprodutos do processamento é significativo e, além disso, 91% das exportações correspondem a óleos essenciais cítricos, predominantemente de laranja (80%).
Na publicação Outlook GlobalFert® (2021), o presidente da Associação Nacional dos Produtores e Importadores de Inoculantes (ANPII) afirmou que o mercado de inoculantes no Brasil é superior a 80 milhões de doses anuais, com projeções de crescimento de 10%, sendo reflexo do incremento na taxa de adoção em diferentes cultivos e do aumento do número médio de doses por unidade de área.
Transformação do Agro
O crescimento no mercado de bioinsumos está relacionado em grande parte com a necessidade de se transformar os sistemas agrícolas tropicais em sistemas mais sustentáveis e resilientes e com a garantia de segurança alimentar, visto que o sistema atual de produção agrícola é extremamente dependente de fontes fósseis e produtos importados, o que torna o País vulnerável, de modo que os produtos biológicos têm sido vislumbrados na agricultura de baixo carbono.
O controle biológico, por exemplo, é uma tecnologia já estabelecida a ser utilizada conjuntamente com outros manejos (Manejo Integrado de Pragas) e de acesso facilitado, visto que a produção é nacional. A publicação Green DEAL O Pacto Verde Europeu e a Agricultura Brasileira, pela CropLife Brasil, aponta para as mudanças que devem ocorrer ainda nesta década, como: redução de 50% no uso e no risco de defensivos químicos agrícolas até 2030; redução de 50% no uso de defensivos químicos considerados perigosos até 2030; redução de, pelo menos, 50% na perda de nutrientes do solo; redução de, pelo menos, 20% no uso de fertilizantes até 2030; incentivo à agricultura orgânica para que esta atinja 25% do total de área agricultável no bloco europeu até 2030.
Mercados
Os principais mercados consolidados para controle biológico, considerando a demanda de utilização dos produtos, são produtos para fungos de solo e nematoides, com aplicação no sulco de plantio ou via tratamento de sementes (principalmente Trichoderma sp., inoculantes e bioinseticidas).
A demanda tem crescido significativamente entre grandes produtores, como também na agricultura familiar e na produção de orgânicos. Bioinsumos são muitos utilizados na produção de hortifrúti, na forma de microrganismos benéficos, extratos (babaçu, extrato pirolenhoso, extrato de algas), bioinsumos oriundos de matéria orgânica como ácidos húmicos, fúlvicos e humina.
Estas substâncias húmicas funcionam como condicionadores de solo para melhorar a fertilidade e favorecer a absorção de nutrientes pela planta, levando à promoção do crescimento, devido principalmente à presença de enzimas, aminoácidos e nutrientes constituintes na matéria orgânica.
Ação e reação
Dentre as diversas opções de bioinsumos existentes no mercado, deve-se saber que um mesmo produto pode ser aplicado em mais de uma cultura, inclusive na produção de frutas e hortaliças.
Esses produtos favorecem o crescimento da planta e podem promover maior rendimento do produto a ser comercializado (frutas ou folhas). O extrato vegetal de tiririca, por exemplo, pode favorecer a germinação de sementes, enquanto o extrato de babaçu (constituído por ácido linoleico e limoneno) pode agir no controle de insetos e promoção de crescimento vegetal.
Pode-se fazer uso de estimulante à base de extrato de algas (Ascophyllum nodosum) para estimular o desenvolvimento das plantas. Em cultivos de morangueiro, pode ser feito uso de ácaro predador do ácaro rajado, assim como Trichogramma sp. para traça-do-tomateiro.
O controle biológico tem grande funcionalidade no tratamento e formação das mudas e transplantio, podendo ser aplicado no solo. Bacillus sp. e Trichoderma hazianum são muito utilizados para favorecer o desenvolvimento das plantas, por meio de aplicação na solução nutritiva em hidroponia ou aplicação via drench (aplicação direta no solo, sob a projeção da copa da planta) e são capazes de solubilizar fósforo dissolvido na solução do solo e transformá-lo em forma assimilável à nutrição da planta.
Além disso, esses microrganismos promovem a produção de etileno, giberelinas e auxinas e podem ser utilizados como controle preventivo de doenças. Em cultivo de tomate, os aminoácidos triptofano e L-arginina podem ser utilizados combinados com macro e micronutrientes contribuindo para o crescimento vegetal, dentre outros que podem agir nos mecanismos de defesa da planta.
Os ácidos húmicos, fúlvicos e a humina agem na planta, seja em frutas ou hortaliças, e apresentam capacidade de retirar elementos tóxicos em excesso no solo, além de favorecerem a absorção de sais minerais e o transporte de nutrientes pelas plantas.
Inovações
Para o Brasil, os bioinsumos são uma excelente fonte de inovação no setor de fertilizantes, visto que aproximadamente 85% dos fertilizantes utilizados no País são importados, principalmente da China, Ucrânia e Rússia, onde atualmente tem ocorrido diversos problemas sociopolíticos, com reflexo diretos no aumento dos preços da energia e de fertilizantes e, consequentemente, aumento no preço dos alimentos.
Bioinsumos que agem como fertilizantes, de acordo com o MAPA (2020), são produtos que mantêm ou incrementam a capacidade do solo em sustentar o crescimento e a produtividade das plantas, sendo muito utilizados na agricultura orgânica e agroecológica e são necessários para uma produção agrícola mais sustentável, inclusive em grandes propriedades.
Os produtos para controle biológico são utilizados tendo em vista o organismo-alvo, de modo que o mesmo produto pode ser aplicado em diferentes culturas. Já existem diversos produtos consolidados no mercado. Devem ser utilizados na dose recomendada e sob orientação de profissionais capacitados.
Bioinsumos
Dentre a ampla variedade de bioinsumos, seguem os produtos para controle biológico, que podem ser usados em todas as culturas:
Produtos microbiológicos | |
Bacillus pumilus (biofungicida) | Controle de Mancha-parda (Septoria glycines), Mancha-alvo (Corynespora cassiicola) e Crestamento-foliar-de-cercospora (Cercospora kikuchii). |
Bacillus amyloliquefaciens (bionematicida) | Controle de nematoide das lesões (Pratylenchus brachyurus) e nematoide das galhas (Meloidogyne incognita e M. javanica). |
Trichoderma harzianum T22 (biofungicida e bionematicida) | Controle de nematoide das lesões (Pratylenchus brachyurus), podridão cinzenta do caule (Macrophomina phaseolina), murcha de fusarium (Fusarium oxysporum f.sp. lycopersici) e mofo branco (Sclerotinia sclerotiorum). |
Trichoderma harzianum 1306 (biofungicida e bionematicida) | Controle de mofo branco (Sclerotinia sclerotiorum), podridão abacaxi (Thielaviopsis paradoxa), nematoide das lesões radiculares (Pratylenchus zeae), podridão radicular (Rhizoctonia solani) e podridão radicular seca (Fusarium solani f.sp. phaseoli). |
Beauveria bassiana (bioinseticida) | Controle do Bicudo da cana-de-açúcar ou gorgulho da cana (Sphenophorus levis), ácaro rajado (Tetranychus urticae), moleque da bananeira (Cosmopolites sordidus), mosca-branca (Bemisia tabaci raça B) e cigarrinha do milho (Dalbulus maidis). |
Beauveria bassiana PL63 (bioinseticida) | Controle da broca-do-café (Hypothenemus hampei), percevejo-marrom (Euschistus heros) e mosca-branca (Bemisia tabaci). |
Isaria fumosorosea 1296 (bioinseticida) | Controle do psilídeo (Diaphorina citri), Helicoverpa armigera e cigarrinha do milho (Dalbulus maidis). |
Nucleopolyhedrovirus (HearNPV) (bioinseticida) | Controle de Helicoverpa armigera e Heliothis virescens. |
Metarhizium anisopliae E9 (bioinseticida) | Controle da cigarrinha-da-raiz (Mahanarva fimbriolata). |
Produtos macrobiológicos | |
Microvespa parasitoide (Trichogramma galloi) | Controle da broca da cana-de-açúcar ou broca do colmo (Diatraea saccharalis) em todas as culturas. |
Microvespa parasitoide (Trichogramma pretiosum) | Controle de lagartas: lagarta da soja (Anticarsia gemmatalis), Spodoptera frugiperda, Helicoverpa zea e lagarta falsa medideira (Chrysodeixis includens) e controle de traça-do-tomateiro (Tuta absoluta), em todas as culturas. |
Microvespa parasitoide (Telenomus podisi) | Controle do percevejo marrom (Euschistus heros) em todas as culturas. |
Ácaro predador (Neoseiulus californicus) | Controle do ácaro-rajado (Tetranychus urticae) em todas as culturas. |
Inoculantes e bioativadores | |
Azospirillum brasilense; Bradyrhizobium japonicum | Promoção de fixação biológica de nitrogênio e do crescimento e resistência das plantas. |
Ascophyllum nodosum | Melhoria no equilíbrio hormonal e nutricional. |
Detalhes imprescindíveis
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) mantém bancos de germoplasma e há 30 anos desenvolve novos bioinsumos, contemplando 24 mil linhagens de bactérias, fungos e vírus.
Após identificar e realizar pesquisas de um novo ativo biológico, padronizar a produção e formulação do produto, fazer avaliações experimentais em campo, testes para segurança ambiental, animal e humana e aprovação e registro no MAPA, chegou a hora de aplicar a técnica.
A implantação da técnica depende de princípios condizentes com a tecnologia de aplicação para formar a gota e atingir o alvo, sendo importante considerar o horário de aplicação (considerar umidade e temperatura aceitáveis).
O período de aplicação depende do cultivo e dos diferentes alvos (fungicida, inseticida etc.) e da região de cultivo. Na produção de citros, segundo especialistas, geralmente é feita aplicação de produtos para controle biológico semanalmente, e para a cultura do milho a cada três a quatro dias, principalmente para controle da cigarrinha do milho. Mas, quem delimita a estratégia de manejo de bioinsumos na propriedade é o responsável técnico capacitado.
O uso de drones pode ser uma opção interessante para a aplicação de inimigos naturais como macrorganismos. Para produtos biológicos com características semelhantes aos químicos convencionais, geralmente a aplicação é feita por trator ou avião, seguindo as mesmas diretrizes da tecnologia de aplicação de produtos químicos.
Para propriedades de menor escala, o pulverizador costal é utilizado, principalmente na agricultura familiar e produtores de hortifrúti. A depender do alvo, pode ser feito tratamento de sementes, geralmente com Trichoderma sp., extrato de alga, Bacillus sp., Bradyrhizobium sp. ou Azospirillum sp.
Na aplicação on farm, é realizada uma mistura da semente com o produto comercial, que conta com uma formulação pronta, e pode ser adicionado grafite para melhora operacional na máquina. Para Tratamento Industrial de Sementes (TSI), além da formulação, é feito uso de polímeros e pó secante.
Riscos
Um dos erros mais frequentes na utilização dos bioinsumos é quanto às exigências de armazenamento, pois se o produtor não se atentar ao prazo, incorre em perda de viabilidade do produto e de sua eficiência.
Outro equívoco é a compra de produto de baixa qualidade na intenção de obter um bioinsumo mais barato, ou mesmo adquirir uma formulação comercial e multiplicá-la na própria fazenda sem supervisão de profissional habilitado, o que difere do que seria o correto tratamento on farm.
A multiplicação on farm de microrganismos é um assunto polêmico, no entanto, há que se considerar os riscos associados à falta de controle das condições de cultivo e da supervisão de profissionais capacitados, podendo levar ao desenvolvimento de contaminantes, como a proliferação de bactérias patogênicas à saúde humana e animal, a produção de toxinas que persistem no ambiente e à barreira da carga exportada, gerando prejuízos econômicos e colocando em xeque os benefícios dessa tecnologia.
O tratamento on farm efetuado de maneira inadequada e sem controle rigoroso de qualidade pode ocasionar riscos à saúde humana e incorre no enfraquecimento da tecnologia, que apresenta grande potencial rumo a uma produção agrícola mais sustentável.
No alvo
Para evitar erros na utilização de bioinsumos, deve-se fazer controle de qualidade rigoroso do processo de multiplicação de organismos ou da extração de produtos vegetais, além de contar com orientação de profissionais capacitados desde a seleção das matérias-primas até a utilização pelo consumidor final.
Quando for o caso da multiplicação de organismos na fazenda, o produtor deve adquirir o inóculo credenciado das listas de germoplasma do MAPA, deve ser cadastrado como produtor de bioinsumos e deve ter um responsável técnico capacitado para produção do bioinsumo.
Outra possibilidade de evitar erros é adquirir o produto diretamente de empresas especializadas, que estão sujeitas a rigorosas fiscalizações e exigências legais e têm seus produtos comerciais já registrados.
Vale a pena?
O custo-benefício do uso de bioinsumos na produção agrícola é interessante, visto que o mercado desses produtos é nacional, como ocorre com o controle biológico, não dependendo das oscilações do dólar e garantindo uma segurança quanto ao custo.