Ana Paula Preczenhak – Pós-doutoranda na ESALQ-USP e professora – Faculdade de Ensino Superior Santa Bárbara (FAESB) – appreczenhak@gmail.com
A beterraba é uma importante cultura típica de outono-inverno, com preços mais altos normalmente de fevereiro a junho. Pode permanecer 15 dias no solo, dependendo da variedade, se os preços estiverem desfavoráveis.
Porém, quanto mais tempo no solo após o ponto de colheita, as beterrabas ficam mais fibrosas e de tamanho fora de comercialização (Filgueira, 2007), por isso a estocagem em câmaras-frias se torna uma alternativa bastante viável para a cultura. O armazenamento refrigerado é uma alternativa para venda planejada em entressafra, que com menos oferta do produto possibilita preços melhores ao produtor.
Apesar de seus benefícios, a utilização de câmaras-frias ainda é bastante baixa no País (2 milhões de m3), se comparada a outros países, como Estados Unidos (48 milhões de m3) e Japão (25 milhões de m3). Assim, nossa capacidade de estocagem ainda é muito baixa para frutas e hortaliças.
Danos
As raízes tuberosas de beterraba sofrem com alguns agravantes que reduzem a sua qualidade, e dentre os padrões mínimos de qualidade estão a ausência de podridão, murchamento, ferimentos e raízes passadas (envelhecidas).
Todos estes aspectos indesejáveis estão relacionados a injúrias mecânicas durante a colheita e/ou respostas fisiológicas e bioquímicas da beterraba após a colheita. As respostas metabólicas são inevitáveis, mas podem ser adiadas com a utilização de técnicas pós-colheita adequadas, principalmente durante o escoamento e armazenamento da hortaliça.
Pós-colheita
Para o armazenamento da beterraba após a colheita, as raízes são lavadas e podem ser armazenadas entre 0 a 1°C, com 90-95% de umidade relativa do ar, que permite o acondicionamento durante quatro a seis meses.
Essa técnica de armazenamento em baixas temperaturas e alta umidade relativa é muito importante para a beterraba, pois o murchamento (perda de firmeza) e, consequentemente, a perda de matéria fresca estão entre os seus principais problemas de armazenamento. Além destes, ainda podemos citar o brotamento, a proliferação de microrganismos e as podridões como impasses na estocagem pós-colheita de beterraba.
A cargo de comparação, não há como prever exatamente a vida útil da beterraba sob armazenamento em temperatura e umidade relativa ambiente, que acabam oscilando ao longo do tempo.
O que se sabe é que beterrabas armazenadas em temperatura de 20 °C e umidade relativa entre 60-70% a perda de massa é cerca de 7%, após apenas três dias de armazenamento. Este efeito é agravado após nove dias, quando a perda de massa aumenta para aproximadamente 23% e, com estes valores a hortaliça já se encontra inapropriada para comercialização, pois os sinais de murchamento são visíveis a partir de 15% de perda de massa (Arruda et al., 2004).
Aumentando a temperatura para 36°C e reduzindo a umidade relativa para 50%, ocorre perda de aproximadamente 10% de massa fresca das beterrabas apenas dois dias após início do armazenamento (Tsunechiro et al., 1994). Além disso, essa perda de massa influi em perdas na comercialização, pois reduz o total de quilos, ou seja, torna a colheita menos rentável.
Cuidado com a temperatura!
A temperatura é o principal fator que influencia no metabolismo das hortaliças, em que baixas temperaturas diminuem a taxa metabólica e o processo de respiração das hortaliças e altas temperaturas induzem o aumento da taxa metabólica e respiração.
Uma vez reduzida a taxa respiratória, há diminuição do consumo das reservas do vegetal, o que, consequentemente, aumenta sua vida útil. Isso ocorre porque, após ser colhida, a hortaliça perde sua fonte de água e nutrientes, e para manter seu metabolismo ativo, começa a consumir suas reservas.
[rml_read_more]
As baixas temperaturas, além de afetarem o metabolismo da hortaliça, também interferem no metabolismo dos microrganismos, contendo sua proliferação.
Já a perda de massa ocorre por um processo chamado transpiração, que acontece em consequência ao déficit de pressão de vapor (DPV), que nada mais é que a diferença entre a umidade dos tecidos do produto (interior da beterraba) e a umidade do ar circundante.
Este é um processo físico que explica a importância de se manter alta a umidade relativa na câmara fria, uma vez que a beterraba apresenta em torno de 90% de água em sua constituição.
Desta forma, um ambiente de armazenamento com umidade relativa inferior a 90% predispõe a perda de água dos tecidos da beterraba para o ambiente. Ainda, o armazenamento combinado com temperaturas elevadas e alta umidade relativa induz o brotamento da beterraba, que também acaba favorecendo a perda de massa, pois as reservas e água são transferidas da raiz tuberosa para o broto em crescimento.
Por outro lado, temperaturas muito baixas (como a recomendada para o armazenamento de beterraba) podem reduzir muito o DPV e o vapor d’água condensa, o que também não é interessante, pois pode favorecer o desenvolvimento de podridões.
Armazenamento eficiente
Além do citado anteriormente, outros pontos importantes a serem considerados para um armazenamento eficiente a longo prazo são:
1) Matéria-prima de qualidade: independente da técnica utilizada, não há incremento de qualidade em pós-colheita. O que tentamos é manter o produto com aspecto fresco o máximo de tempo possível. Inclusive quando falamos de proliferação de microrganismos, estes microrganismos vêm do campo e se multiplicam na hortaliça, ao passo que tem condições favoráveis. Devido a isso, a limpeza e seleção do material são cruciais contra a contaminação de um lote (ou caixas) durante armazenamento;
2) Pré-resfriamento ou retirada do calor de campo: apesar da colheita, na maioria das vezes, ser realizada nas horas mais frescas do dia, o estresse da colheita e temperatura aceleram o metabolismo da beterraba. Neste sentido, ocorrendo a possibilidade de a lavagem ser realizada em água refrigerada, isso beneficia a vida útil da hortaliça. Além disso, um produto que já está em temperatura mais baixa ao ser alocado em câmara-fria favorece a rapidez do equilíbrio de temperatura no interior da câmara e, com isso, pode até resultar em redução do consumo de energia. Isto está relacionado ao tempo de meio resfriamento, que é o tempo requerido para reduzir pela metade o gradiente (a diferença) entre a temperatura inicial do produto e a temperatura do meio sob refrigeração. Lembrando que, quanto mais rápido ocorre a redução da temperatura interna do vegetal, menores são as perdas naquele período.
Atenção
Muitos produtos hortícolas não podem ser armazenados juntos, devido à sensibilidade ao etileno. O etileno é um hormônio gasoso responsável por acelerar a senescência de frutas e hortaliças, ou seja, reduzir sua vida util. A beterraba é pouco sensível ao etileno e devido a isso pode ser armazenada junto com outras hortaliças pouco sensíveis, porém, o ideal é o armazenamento separado.
Além da temperatura e umidade relativa adequadas, também é importante garantir a estabilidade e uniformidade do ambiente refrigerado. Para isso, alguns cuidados devem ser tomados ao se instalar uma câmara-fria, dentre eles: estrutura isolante; entrada de ar; dimensionamento do sistema; termostatos confiáveis; monitoramento de temperatura e umidade em muitos pontos; circulação de ar; empilhamento adequado; embalagens adequadas.
Ainda, deve-se dimensionar a capacidade desse sistema de refrigeração, onde se leva em conta: máxima carga da câmara; calor vital do produto; temperatura inicial e final do produto; calor conduzido pelas paredes, teto e piso; calor conduzido pela entrada de ar; calor produzido por equipamentos dentro da câmara; circulação do ar igual por toda a câmara.
Dentre todos estes aspectos, a circulação de ar está intimamente relacionada com a estabilidade e uniformização da temperatura externa e interna da hortaliça. Devido a isso, o empilhamento das caixas não pode obstruir a saída de ar ou impedir sua circulação por toda a câmara-fria, de modo que todas as raízes tenham a mesma possibilidade de resfriamento (Embrapa).
Ainda neste sentido, o tipo de embalagem pode interferir nesta uniformidade de temperatura entre as raízes. O ideal são embalagens que permitam a passagem de ar e que ao mesmo tempo possibilitem o empilhamento.
Vantagens
A utilização da refrigeração inegavelmente traz muitos benefícios à manutenção da hortaliça e, logo, para o produtor. No entanto, a implantação de câmaras frias gera um custo adicional à produção, por muitas vezes sendo mais viável para grandes produtores, fornecedores deste tipo de serviço e cooperativas.
Caso o produtor tenha condições de investimento, este valor pode ser recuperado em vendas na entressafra, desde que o acondicionamento refrigerado seja utilizado de forma correta.
Para adquirir a estrutura, o produtor terá que investir na construção de um barracão, maioria das vezes pré-moldado com estrutura metálica e piso, uma câmara frigorífica e garantir uma instalação elétrica segura.
Custo
O custo total anual de manutenção e implementação de uma câmara-fria de capacidade de 300 toneladas pode chegar a 15% do total de custos de produção e o equipamento tem vida útil estimada de 20 anos. Para cálculo de custos reais, devemos levar em consideração as oscilações de preços ao longo do tempo e nas diferentes regiões do Brasil.
Além do mais, para viabilidade econômica do projeto, a capacidade de estocagem da câmara-fria deve ser compatível com a quantidade de produto armazenado. A subutilização da câmara-fria leva ao aumento dos custos, tanto de implementação do projeto quanto de manutenção. Por outro lado, o armazenamento de quantidade superior à capacidade da câmara fria compromete a qualidade do produto (Embrapa).
Com as flutuações de preços, um bom planejamento de escoamento e comercialização da produção de beterraba pode, apesar dos altos custos de produção, ser uma das formas de melhorar a remuneração para o produtor, desde que este tenha êxito em manter a qualidade da hortaliça durante o período de armazenamento refrigerado.
Importante ressaltar que a implantação ideal dessa tecnologia seria a manutenção de toda a cadeia de frio, desde a roça, com o armazenamento refrigerado, passando pelo transporte em caminhões refrigerados, até chegar ao consumidor.