
A
restauração de mais de 142 mil hectares de áreas que hoje estão degradadas no
norte do Espírito Santo é uma oportunidade para enfrentar os graves riscos de
seca e falta de água no estado, de acordo com novo estudo por dois Comitês de
Bacias Hidrográficas (CBHs) locais, com o apoio do WRI Brasil e o Instituto
Internacional para Sustentabilidade (IIS).
O extremo norte do Espírito Santo é citado no Programa de Ação Nacional de
Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN-Brasil). O alto
grau de degradação que deixa o solo suscetível à desertificação resulta de
décadas de ocupação da terra por pastagens, monocultivo de eucalipto, cana de
açúcar e fruticultura que geraram perda de solo, erosão e assoreamento dos
cursos d’água. Apenas 15% da região ainda tem cobertura florestal nativa.
O tema é tão urgente na região que levou os CBHs dos Rios Itaúnas e São Mateus
a criar, em março de 2020, suas respectivas Câmaras Técnicas de Restauração
Florestal, com o objetivo de identificar parcerias e iniciar ações de
restauração nas duas bacias, de forma participativa e dialogada com a
comunidade local, governos municipais, empresas e sociedade em geral.
A boa notícia é que esse risco pode ser combatido com a restauração de
paisagens e florestas. Essa é a principal conclusão do estudo
“Planejamento da Restauração de paisagens e florestas das Bacias
Hidrográficas dos Rios Itaúnas e São Mateus”. O trabalho mostra que 27 mil
hectares na bacia Itaúnas e 78 mil hectares na bacia São Mateus podem ser
restaurados em Áreas de Preservação Permanente (APPs) hídricas, além de
aproximadamente 50 mil hectares que podem ser restaurados para adequação da
Reserva Legal (RL) nas duas bacias.
Segundo a legislação ambiental brasileira, as áreas de APP têm localização fixa
no espaço, mas as RL podem ser alocadas dentro da paisagem de forma
inteligente, visando obter os maiores retornos ambientais a um menor custo, e
evitando conflitos com áreas agrícolas. “O estudo mostra quais são as
áreas prioritárias para a restauração com fins de adequação ao Código
Florestal, destacando aquelas que podem trazer os maiores benefícios em termos
de conservação da biodiversidade e mitigação das mudanças climáticas, em locais
onde os custos da restauração são mais baixos. Os resultados ajudarão os atores
locais a definir a melhor forma de reflorestar”, diz Juliana Almeida
Rocha, do IIS, uma das autoras do estudo. Além dos benefícios citados pela autora,
a restauração ajuda a manter o ciclo da água, contribuindo para a formação de
nuvens e aumento de chuvas, bem como para contribuir com uma maior infiltração
da água no solo, reduzindo processos erosivos.
“O Espírito Santo tem um dos mais bem-sucedidos programas de Pagamentos
por Serviços Ambientais (PSA) do país, o Reflorestar. Uma atuação mais forte do
Reflorestar no norte do estado pode ajudar os produtores a se adequarem à
legislação e investirem na restauração com fins de aumentar a segurança hídrica”,
destaca Luciana Alves, do WRI Brasil, uma das autoras do estudo.
Além desses serviços ambientais essenciais, o estudo também propõe modalidades
de restauração que gerem renda de forma sustentável para o produtor rural, tais
como o uso de Sistemas Agroflorestais (SAFs) e dos sistemas de Integração
Lavoura, Pecuária e Floresta (ILPF). “Identificar oportunidades para que
os produtores locais possam restaurar, melhorando ao mesmo tempo o solo e a
água de suas propriedades e gerando renda, é uma das formas para impulsionar a
restauração nas bacias de Itaúnas e São Mateus”, diz Marcia Lederman, do
CBH Itaúnas.
No mundo há cerca de 2 bilhões de hectares de áreas e florestas degradadas que
podem se beneficiar de investimentos públicos e privados para recuperar sua
funcionalidade e produtividade. Coincidentemente, 2 bilhões de hectares é a
área necessária para atender à demanda global por alimentos e fibras até 2050.
No Acordo de Paris, o Brasil assumiu o compromisso de restaurar e reflorestar
12 milhões de hectares de áreas e florestas degradadas até 2030. O Estado do
Espírito do Santo, por sua vez, comprometeu-se com a restauração de 80 mil
hectares pela Iniciativa 20×20, e vem trabalhando para ampliar as ações de
restauração e se tornar uma referência na silvicultura de nativas no país.
A ONU declarou 2021-2030 como a Década da Restauração, mais um indicativo que o
planeta espera ações em escala para enfrentar problemas como as mudanças
climáticas e a desertificação, já que a restauração florestal pode ser
entendida como uma ação econômica eficaz para o combate à fome e às
desigualdades sociais.
Sobre o estudo
O trabalho foi feito a partir de oficinas com os atores locais, o WRI Brasil e
o IIS, no segundo semestre de 2020. Houve a participação efetiva de vários
segmentos da sociedade por meio dos comitês de bacias hidrográficas, produtores
rurais, empresas locais, pesquisadores e governos municipais e estadual. As
oficinas usaram como base uma adaptação da Metodologia de Avaliação de
Oportunidades de Restauração (ROAM), ferramenta que permite identificar
motivações para a restauração, promover o debate sobre os conceitos e desafios
dessa agenda e apontar caminhos a serem seguidos para o ganho de escala das
ações. Foi utilizada uma robusta e confiável base de dados para embasar toda a
discussão, além da adoção de tecnologias avançadas de geoprocessamento e de
análise.
Este novo estudo inclui a elaboração da base de dados, mapeamentos de
oportunidades de restauração de paisagens e florestas, das estruturas de
governança e atores da região e modelagens espaciais para identificação de
áreas prioritárias para a restauração considerando múltiplos benefícios. Por
fim, apresenta uma proposta de plano de ação estruturada em seis objetivos
principais, os quais se desdobram em diversas atividades consideradas
essenciais para o seu alcance. O plano considera ações de curto e médio prazo,
com a premissa de ser reavaliado constantemente pelos CBHs para aprimoramento.