Entre 2010 e 2020, foram movimentados no Brasil 7,3 bilhões de metros cúbicos de madeira em tora de espécies ameaçadas, volume que representa 6% do fluxo de madeira nas transações nacionais. Os dados inéditos são revelados na 11ª edição do Boletim Timberflow, iniciativa do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).
O boletim foi desenvolvido a partir da Plataforma Timberflow, ferramenta criada para dar mais transparência à cadeia produtiva da madeira no Brasil com base nos dados dos sistemas oficiais de controle de produtos florestais (DOF/Sinaflor, SISFLORA Mato Grosso e Sisflora Pará), e é o primeiro mapeamento que consegue listar quais foram as espécies ameaçadas comercializadas em toda a década, identificar os principais estados produtores e consumidores e quais são os produtos gerados com essas espécies.
“Após um trabalho desafiador de análise de dados de espécies, superando as barreiras de acesso e inconsistências de nomenclatura, chegamos a uma lista com 60 espécies e respectivos status de ameaça Para isso, consideramos as espécies florestais constantes na lista vermelha da IUCN e as listadas nos instrumentos legais e portarias nacionais editadas pelo Ministério do Meio Ambiente, em 2014, 2021 e 2022. Esse esforço foi feito para chamar a atenção para o tema da comercialização dessas espécies madeireiras e propor, junto com todos os atores do setor, uma discussão de caminhos para a manutenção da biodiversidade e da integridade setor florestal”, explica a consultora da iniciativa de legalidade florestal do Imaflora, Maryane Andrade.
Entre as 60 espécies sensíveis comercializadas, 32 pertencem à categoria Vulnerável (VU), 27 à classificação Em Perigo (EN) e a apenas 1 à categoria Criticamente em Perigo (CR). A principal diferença é que as espécies classificadas como VU ainda podem ser exploradas em Planos de Manejo Florestal Sustentável (PMFS), respeitando critérios de manutenção das espécies, enquanto aquelas na categoria EN e CR têm a sua exploração proibida.
Ameaça
O principal estado produtor de espécies ameaçadas é Mato Grosso, com 55% da produção, seguido pelo Pará (25%), Rondônia (10,3%). Os três fazem parte da Amazônia Legal e também são historicamente os maiores produtores de madeira da região.
O estudo concluiu que o mercado nacional foi responsável pela compra de 94% dessa produção, sendo a região Centro-Oeste (35%) o principal destino destas madeiras, seguido pela região Norte (27%). Entre as espécies ameaçadas presentes nas transações de madeira, destacam-se a itaúba, a garapeira, o angelim, o cedro, o cumaru-de-cheiro e o acapu, que juntas, representam mais de 82% da produção total.
Grande parte do volume comercializado de espécies Críticas (CR) e Em Perigo (EN) se deu nos anos que antecedem a promulgação da IN MMA n.º 1, de 12 de fevereiro de 2015, pelo IBAMA – que proíbe a aprovação de Planos de Manejo Florestal de espécies dentro dessas classificações.
A partir de 2016, os dados indicam uma redução na exploração dessas espécies como um impacto positivo dos instrumentos legais, mas comprovam que a legislação ainda não foi suficiente – em 2020, foi registrada nos bancos de dados oficiais a exploração de 18.348,97 metros cúbicos de madeira em tora de espécies dentro das classificações CR e EN.
Espécies ameaçadas são comercializadas com baixo valor agregado
A maior parte da madeira proveniente dessas espécies sensíveis (94%) são destinadas a produtos pouco nobres, como madeira serrada bruta, que por si só representa 60% dos produtos comercializados, juntamente com outros derivados como resíduos industriais, cavacos e lascas, toretes e mourões.
A outra parte mínima da produção é destinada a produtos finais com maior valor agregado, como pisos, compensados e lâminas.
O acapu (Vouacapoua americana) é um exemplo de espécie em extinção que, apesar dos esforços, de conservação continua sendo explorada. Apenas o acapu representa 2,5% da produção total e acumula uma produção de mais de 188 mil metros cúbicos de madeira em tora.
Apesar da proibição de seu corte pelo seu risco à extinção, sua madeira hoje é comercializada ilegalmente para usos ordinários, como como matéria-prima barata para produção de cercas e mourões de fazendas na Amazônia.
Combate à ilegalidade para unir produção e conservação
Além dos dados sobre o consumo, com o propósito de promover a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais, o 11º boletim também traz recomendações para mudar esse cenário.
Em primeiro lugar, destaca-se a importância de combater a ilegalidade, fraudes e o vazamento para o mercado ilegal, além de inviabilizar o comércio de espécies EN e CR. Para isso, o refinamento da fiscalização por parte dos governos estadual e federal é essencial. Já os produtores podem apostar em soluções como tecnologias e sistemas de rastreabilidade de cadeias madeireiras e due diligence para garantir que seus produtos sejam de origem legal, sem comprometer a conservação de espécies vulneráveis.
“Os esforços para proteção e conservação das espécies madeireiras amazônicas demandam uma inteligência coletiva e cooperação de todos os elos da cadeia, bem como de governos e mercados. Observamos que a proibição de exploração de determinadas espécies pouco adianta se não houver empenho no combate à ilegalidade. Embora não seja tarefa fácil, é possível reforçar medidas em prol de um setor florestal mais responsável e eficiente”, reforça Maryane Andrade.
O mercado também precisa se adaptar e estimular o consumo de uma maior diversidade de espécies madeireiras. Na nona edição do Timberflow, estão listadas 30 espécies alternativas às mais manejadas que poderiam ser utilizadas em substituição.
No Brasil, também é pertinente estimular que os estados com legislação para compra de madeira incorporem o uso prioritário de espécies alternativas em medidas regulatórias como questão de política pública, como foi publicado também na 10ª edição.
Como subprodutos são o destino da maior parte das espécies ameaçadas comercializadas no Brasil, é necessário investir no desenvolvimento industrial do setor florestal para elevar o valor agregado dos produtos de madeira.
Quanto à exportação destas espécies, é essencial a cooperação internacional para monitoramento e avaliação de riscos de ilegalidade das cadeias produtivas de espécies ameaçadas. Isso pode ser feito, por exemplo, aumentando a exigência de selos de verificação independentes para exportação.
A produção deste boletim teve como um dos principais desafios de acesso às informações do Ministério do Meio Ambiente, por isso também é indicada a criação de uma base de dados amigável disponível, para superar a barreira de acesso à informação para a conservação das espécies florestais.
O Boletim 11 pode ser baixado no site de forma gratuita, com o objetivo de contribuir com o monitoramento e compreensão dos mercados das espécies ameaçadas amazônicas presentes nos fluxos madeireiros.
Sobre o Imaflora
O Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola – Imaflora – é uma associação civil sem fins lucrativos, criada em 1995, que nasceu sob a premissa de que a melhor forma de conservar as florestas tropicais é dar a elas uma destinação econômica, associada a boas práticas de manejo e a uma gestão responsável dos recursos naturais.
O Imaflora acredita que a certificação socioambiental é uma das ferramentas que respondem a parte desse desafio, com forte poder indutor do desenvolvimento local, sustentável, nos setores florestal e agrícola.
Dessa maneira, o Instituto busca influenciar as cadeias produtivas dos produtos de origem florestal e agrícola; colaborar para a elaboração e implementação de políticas de interesse público e, finalmente, fazer, de fato, a diferença nas regiões em que atua, criando ali modelos de uso da terra e de desenvolvimento sustentável que possam ser reproduzidos em outros municípios, regiões ou biomas do País.
Mais informações: https://www.imaflora.org/