Emerson Trogello
Doutor em Fitotecnia e professor – IF Goiano Morrinhos
emerson.trogello@ifgoiano.edu.br
Ricardo Brenner Alves Nogueira
Pós-graduando em Olericultura – IF Goiano Morrinhos
ricardobrenner.agro@yahoo.com.br
Antes da introdução de cultivares geneticamente modificadas (RR) e resistentes ao mecanismo de ação dos inibidores da EPSPs, (glifosato), a planta daninha picão-preto (Bidens spp.) era uma das principais espécies problemáticas em áreas de produção no Brasil, principalmente em soja.
Isso devido às suas características botânicas de rápido crescimento, grande produção, dispersão e dormência de sementes e mais de uma geração por ano, aliado à resistência adquirida a herbicidas utilizados anteriormente, com aplicações contínuas dos herbicidas inibidores da ALS, selecionando populações resistentes.
Com a utilização do herbicida glifosato na pós-emergência da soja RR, o problema foi amenizado, pois o herbicida tinha um bom controle mesmo em plantas mais desenvolvidas.
No entanto, com o uso dos materiais transgênicos e consequente “abuso” do herbicida glifosato, começaram a aparecer problemas de resistência de algumas daninhas logo após os primeiros meses da utilização da tecnologia na década de 90 nos EUA.
Ainda pior
Para agravar esta situação, o sistema produtivo brasileiro, praticamente em todas as regiões, se baseia em uma sucessão entre a cultura da soja, semeada no período da 1ª safra e a cultura do milho, semeada em uma 2ª safra subsequente.
Quando aconteceu a inserção da tecnologia RR também na cultura do milho, passamos a adotar o uso do glifosato na soja RR e no milho RR. Este sistema, de certa forma simplista, em que o controle de todas as plantas daninhas, inclusive o picão-preto, ficou baseado exclusivamente no glifosato, gerou ao longo do tempo, e ainda vem gerando, uma alta pressão de seleção de plantas daninhas resistentes.
Hoje, temos indivíduos de plantas daninhas como o Lolium multiflorum (Azevém), Conyza bonarienses, C. canadensis e C. sumatrensis (buva), Digitaria insularis (capim amargoso), Amaranthus palmeri (Caruru palmeri) e Eleusina indica (capim pé-de-galinha) resistentes ao glifosato.
A realidade
Atualmente, nas últimas safras os produtores estavam observando que o herbicida glifosato não estava controlando o (Bidens subalternans) nas doses recomendadas, mas não identificaram populações da espécie com resistência até a safra 2022/23.
Na última safra, entretanto, em visitas a áreas com suspeita de resistência, técnicos da cooperativa Coamo e LAR, no Paraná, observaram populações aparentemente resistentes após aplicações sequenciais do glifosato, comunicando a Embrapa Soja sobre o caso.
A primeira ação foi a aplicação do glifosato em superdosagem na área, constatando que a população não foi controlada. Após isso, iniciaram os estudos para comprovação de resistência em ambiente controlado.
Foi feita a coleta de amostras de sementes das daninhas sobreviventes destas áreas, identificando a espécie Bidens subalternans e realizados experimentos em casa de vegetação. Foi feita, também, a comparação das daninhas coletadas com populações comprovadamente suscetíveis, aplicando diferentes doses do herbicida em duas gerações.
Com os experimentos, confirmou-se o primeiro caso de população resistente de Bidens subalternans a glifosato no Brasil.
Após a constatação da resistência, também estão sendo realizados trabalhos de manejo da população, tanto a campo quanto em casa de vegetação, e discussões sobre possíveis ações de monitoramento, mitigação e contenção.
Ainda, estão sendo realizados trabalhos para determinar o mecanismo de resistência ao glifosato e se existe resistência múltipla a outros herbicidas em parceria da Embrapa, cooperativa Coamo e Lar, Universidade Estadual de Maringá e Pennsylvania State University.
Do que se trata
Esta resistência nada mais é que uma habilidade de sobrevivência, herdada da planta daninha, após a aplicação de uma dose de herbicida que seria letal a uma população normal. O indivíduo da planta daninha é selecionado após a aplicação sequencial de herbicidas com mesmo princípio ativo, ocorrendo um processo natural de seleção de indivíduos resistentes.
Para melhor entendimento, imagine um indivíduo de picão-preto produzindo 3 mil sementes. Agora, imagine uma infestação média de “apenas” três plantas por metro quadrado. Seriam nove mil sementes produzidas por metro quadrado, o que representa 90 milhões de sementes por hectare.
Em uma área de apenas 88 hectares, nesta infestação, teríamos a mesma população de seres humanos do planeta terra (oito bilhões), de sementes agora de picão-preto. Imagine, agora, que cada semente de picão-preto carrega uma genética um “pouquinho” diferente da outra.
Ou seja, em uma área extremamente pequena temos uma variabilidade genética extremamente alta. Achar que um indivíduo de picão-preto, dentro desta amplitude de população, naturalmente não carrega com si uma mudança genética que “suporta” o glifosato, é extremamente ingênuo de nossa parte.
Assim, o uso sucessivo do mesmo mecanismo de ação vai continuar selecionando espécies de plantas daninhas resistentes.
O erro persiste
A aplicação sequencial de glifosato se vê presente nas áreas produtivas desde a introdução dos materiais transgênicos. Antes da disponibilidade de materiais com resistência a glifosato, o herbicida era posicionado apenas na dessecação, passando então a ser usado durante o ciclo da cultura.
Esse uso sequencial, de três a cinco vezes no ciclo, e muitas vezes sozinho, sem residual, começou a trazer problemas de seleção logo nos primeiros meses de uso, com o aparecimento das primeiras daninhas resistentes.
À medida que o controle fica deficiente, a reação natural é aumentar a dose e reaplicar o glifosato, mistura-lo com outros herbicidas e também fazer aplicações sequenciais. No entanto, basear o controle apenas em estratégias químicas pode também levar a mecanismos de resistência a múltiplos herbicidas, o que não é desejado.
O que fazer
É muito importante utilizar ações preventivas para evitar a ocorrência de plantas resistentes e também a contenção dessas populações. O manejo eficiente de plantas daninhas deve ser considerado a longo prazo, por meio de um sistema que envolva não somente a aplicação de herbicidas, mas também métodos culturais, físicos e mecânicos.
Entre as práticas, é importante conhecer o histórico de resistência da área e região, por meio do monitoramento. O bom monitoramento deve ser realizado de forma contínua nas áreas, identificando e quantificando as daninhas presentes, para avaliar o nível de infestação, podendo ajustar o controle conforme necessário.
Também é extremamente importante adotar ações que evitam a propagação e dispersão das daninhas resistentes com a rotação de culturas, limpeza de máquinas e equipamentos para utilização em novas áreas, uso de sementes livres de infestantes, diminuição do período de pousio e cobertura do solo, entre outras.
Controle químico
Voltando ao controle químico, é muito importante a rotação de mecanismos de ação de herbicidas, utilização de pré-emergentes e controle na entressafra. Esta última é o período ideal para o bom manejo de outras daninhas, pois existe um número maior de herbicidas que podem ser utilizados.
Embora apareça a resistência ao glifosato, ele ainda é muito eficiente no controle de muitas espécies de daninhas e a perspectiva do seu uso é inevitável. O que se deve atentar é para a utilização de outras práticas de manejo que mitiguem a resistência.
Sem o glifosato, os custos de produção em lavoura com resistência a daninhas pode chegar de 42 a 222%, segundo a Embrapa, pelo aumento de gastos de herbicida e perdas de produtividade, fato esse que irá impactar diretamente a cadeia produtiva.
É imprescindível o conhecimento para aplicar práticas de manejo que não só visem o controle químico, afim de diminuir a evolução da resistência tanto do picão-preto como de outras espécies de daninhas.